O Verdadeiro Crime de Pedrógão Grande

Viriato Villas-Boas
2 min readMar 1, 2019

Com o recorrente retorno de Pedrógão Grande ao escrutínio público é quase impossível não pensar sobre a marca que e a localidade, outrora anónima, poderá vir deixar na alma do país a longo prazo.

Em paralelo com as inconsistências exploradas pelos meios de comunicação social, o verdadeiro crime de Pedrógão poderá vir a ser um que se estende além dos confins do município em questão.

Quando a tragédia de 2017 abalou o país, foi possível observar uma manifestação honrosa por parte de uma Nação que se confortou e uniu em torno de causa maior que os seus cidadãos individuais.

Desde os concertos de beneficência, aos apelos públicos e até, como não poderia deixar de ser, as afluências de posts nos social media, Portugal cobriu-se com um manto de humanidade raramente visto no nosso país.

Os Portugueses enfrentaram a catástrofe em uníssono, motivados por um sentido de fé comunal, e em tom reacionário contra a força destruidora dos fogos que apagaram vidas inteiras.

É por essa mesma razão que o verdadeiro crime de Pedrógão Grande nunca poderá ser julgado num tribunal.

Ao abusar do sentimento de luto, de orgulho, e de caridade de uma Nação unida, as inconsistências evidenciadas em Pedrógão arremessam uma pedra ao telhado de vidro que é a capacidade de um povo em confiar naquilo que não vê.

O crime de Pedrógão tem vítimas no presente, mas também as tem no futuro. Tem vítimas que vivem na autarquia, mas também as tem por todo o Portugal. Ao desacreditar todo o conceito de ‘caridade’, pessoas vulneráveis por todo país poderão vir a sofrer. E quem pagará por isso?

Existem em Portugal instituições focadas nas mais variadas áreas que desenvolvem um trabalho excecional em torno dos cidadãos mais necessitados, e que vivem (numa magnitude mais pequena) do mesmo espírito que se sentiu durante os fogos de 2017.

Mas esse espírito é frágil, e depende muito da credibilidade da massa humana que o forma. Quando os Portugueses fizeram donativos, materiais ou imateriais, muitos deles o fizeram de olhos fechados e coração aberto. O problema é que quando lhes abriram os olhos, os Portugueses sentiram-se enganados, resultando em possíveis corações fechados.

Não temos garantias de que as irregularidades de Pedrógão não nos tornem numa Nação de cínicos incapazes de confiar para além do que a vista alcança.

Mas apesar de tudo, tenho fé que a massa humana que enfrentou a tragédia de 2017 com coragem e compaixão seja mais forte que uma ‘mão-cheia’ de oportunistas sem escrúpulos.

Contudo, se o espírito que se materializou em torno de Pedrógão perder nem que seja uma alma para o reino do cinismo e descrédito, então o verdadeiro crime foi um ataque aos valores que fazem Portugal mais do que um pedaço de terra.

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Viriato Villas-Boas
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Written by Viriato Villas-Boas

Observing & Commenting.● MSc Comparative Politics ■ London School of Economics and Political Science《》 B.A. Journalism & Media ■ Birkbeck, University of London

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