O Paradoxo Partidário

Viriato Villas-Boas
2 min readOct 31, 2019

A entrada de novas entidades no Palácio de S. Bento foi durante a maior parte da nossa jovem democracia um fenómeno inexistente. Este ano, pela segunda vez consecutiva, encerramos o ciclo legislativo com novos partidos no parlamento.

Com a aparente morte do conceito de maioria absoluta e o aumento de forças outrora marginais não seria inconsequente procurar padrões ‘a là Grécia 20015’, que refletem reajustes no sistema partidário nacional. Mas tal análise seria precoce.

Considerando que o tempo para reajustes radicais passou por Portugal durante a crise económica da década passada sem integralmente desfigurar o status quo partidário, esta nova onda de entidades poderá ser justificada por outros fatores.

Nos países democráticos, especialmente aqueles rotulados de ‘Primeiro-Mundo’, as tendências políticas do quotidiano têm-se expressado em causas individuais. Independentemente do seu posicionamento no espectro político, cidadãos têm-se mobilizado cada vez mais em torno de assuntos específicos ao contrário de partidos na sua generalidade. Os exemplos a nível global são infindáveis: a oposição aos refugiados, o fortalecimento das fronteiras, a crise climática, a igualdade de género, os direitos LGTB+, o antirracismo, os direitos dos animais, entre tantos outros. Independentemente do tópico ou movimento específico, existe uma tendência global para mobilização em torno de assuntos e não tanto de partidos.

A facilidade acrescida no acesso à informação, em paralelo com uma maior interconexão com outros países a nível pessoal, e o aumento de cidadãos com acesso ao ensino superior são alguns dos fatores que poderão estar a contribuir para uma posição mais critica e hesitante no que toca a apoiar partidos e manifestos como um todo. Fatores que se acumulam a uma já institucionalizada desconfiança do ‘Sistema’.

Os números preocupantes de abstenção e o crescimento de partidos ‘menores’ que têm uma plataforma muito cimentada em assuntos específicos (por exemplo, o PAN com os direitos dos animais), podem ser parcialmente explicados por uma paralisia que nasce da falta de confiança total num partido na sua forma integral.

Posto noutras palavras, é cada vez mais difícil apoiar um partido a cem porcento, pois muito dificilmente se concordará com, literalmente, todos as suas propostas programáticas. Essa falta de compatibilidade pessoal poderá levar um eleitor à abstenção, ou então a entregar o seu voto a um partido que defenda primariamente um dos seus assuntos pessoais.

O paradoxo partidário é então o seguinte: ao haver uma indisposição eleitoral para se votar em partidos, nascem então mais partidos.

A nível pessoal, não vejo um problema inerente com a emergência de novos jogadores no campo político. Mas a sustentabilidade, ad infinitum, desta tendência é questionável.

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Viriato Villas-Boas

Observing & Commenting.● MSc Comparative Politics ■ London School of Economics and Political Science《》 B.A. Journalism & Media ■ Birkbeck, University of London