O Algarve Também tem Spots!

Viriato Villas-Boas
4 min readMay 10, 2023

Publicado na Lodo Zine #6–2023

Lodo Zine #6–2023

Por incrível que pareça, o Algarve continua a existir além dos meses de Junho, Julho e Agosto, e mais, tem bastantes spots que (quase) nunca ninguém skatou!

A última visita da team da Spitfire veio a realçar aquilo que todos os que nunca disseram ‘na Quarteira’ já sabiam: existe todo um país a sul da margem sul! Para aqueles que sempre se habituaram a skatar isolados e longe das luzes da ribalta do centro do país, a receção de tours como a da Spitfire documentada nesta edição da LODO é uma muito bem-vinda lufada de ar fresco que nos faz sentir ‘vistos’ e acarinhados pela nossa comunidade global.

Todos nós, Algarvios, estamos mais que conscientes (pois toda a publicidade institucional e governamental não nos deixa esquecer) que aparentemente o Mundo conhece as nossas praias e resorts de calibre capaz de competir com outras grandes potências… Mas a verdade é que nem todos os Algarvios sonham em existir para servir turistas (por muito que os mesmos sejam bem-vindos). Como Algarvios, por vezes parece difícil afirmarmo-nos além dos excessivos estereótipos comerciais que nos sufocam sob o peso de pontos repetidos á exaustão desde de que muitos de nós somos pequenos:

-praias bonitas

-hotéis de luxo

-vida noturna

Mas esta redução de toda uma região a estereótipos facilmente comerciáveis — extremamente refletivos de uma falta de capacidade cognitiva e imaginativa por parte de quem os promove — gera expetativas desonestas acerca daquilo que os Algarvios são capazes de ser.

Ou seja, se não reduzirmos toda uma existência a estar embriagados, a trabalhar na indústria da restauração/hoteleira/retalho, e passar o dia na praia, não somos Algarvios. E isso desencadeia toda uma problemática de representatividade que afeta todo o potencial de desenvolvimento além desses grandes clichés. No caso particular do skate, o mesmo expõe duas áreas da Existência do Algarve que acabam por sofrer: a Cultura e o Desporto.

Keeping The Underground Lit (Mantendo o Submundo Iluminado) foi um slogan que se leu em anúncios da Spitfire durante muito tempo, e no caso da passagem desta tour pelo Algarve, nada poderia ter sido mais acertado e refletivo do impacto que estes skaters tiveram na região durante a sua curta estadia. A sua presença na nossa isolada região validou toda a loucura daqueles que insistem em nadar contra a corrente com imensamente limitados (apesar de crescentes) recursos.

Não esqueçamos que a Lodo foi criada depois de um comentário infeliz, mas muito representativo daquilo que mina o pensamento da maioria daqueles que aqui não skatam: “Apoiar eventos no Algarve? Para quê? Só andam uns sete gajos por lá”.

Ou seja, apesar de estarmos longe de necessitar da aprovação e validação de membros da nossa comunidade de outras localidades geográficas, o facto de os mesmos escolherem diversificar um pouco os seus roteiros além dos instituídos centros urbanos mais previsíveis tem várias repercussões positivas:

-Força a expansão dos horizontes de mentes mais formatadas para reconhecerem apenas o valor turístico dos clichés ultrapassados da praia, da falta de cultura e arte e do hotel com tudo incluído… Incentivando assim a uma maior predisposição para apostar em projetos relacionados com o skate, em mais e melhores infraestruturas, numa reforma da abordagem por parte das autoridades, e atualização do pensamento de comunidades locais — para mencionar apenas alguns.

-Para a comunidade do skate regional, que atravessa um momento de prosperidade inter-geracional, contribui com novas referências, relembrando-os do vasto alcance que a sua cultura e modo de estar na vida têm, e trazendo nova vida aos spots em que os mesmos skatam regularmente; e se os spots são importantes o suficiente para os pros virem skatar, eles próprios importam como locals e cuidadores desses mesmos espaços.

Certamente existirão muitos locais e regiões que partilham este sentimento de marginalidade periférica, naquilo que já em si é uma prática caracterizada pela sua herança marginal no contexto da sociedade geral. E o Algarve não será a único submundo a precisar de ser iluminado por várias visitas dos seus pares, independentemente da marca, estatuto, ou outros indicadores. Mas esta é uma zine Algarvia, e ao falar do Algarve, empresta também a sua voz a todos aqueles que muitas vezes se sentem esquecidos, tomados por garantidos, ou menosprezados por uma indústria (de skate ou não) que tanto lhes toca, mas tão pouco lhes dá.

Obrigado, Spitfire. Voltem, e tragam os vossos amigos. As nossas portas estão abertas, e os nossos spots encerados.

--

--

Viriato Villas-Boas

Observing & Commenting.● MSc Comparative Politics ■ London School of Economics and Political Science《》 B.A. Journalism & Media ■ Birkbeck, University of London