As Pessoas que Odeiam Pessoas Felizes

Lodo Zine #2

O skate, como prática, tem algo genuinamente único no sentido que força uma reflexão, ou pelo menos um reflexo, acerca da legitimidade da partilha de espaços públicos. Mas antes de tentar dissecar a questão da legitimidade da ocupação partilhada de zonas comunais urbanas, creio ser relevante virar o foco para o rastilho do barril de pólvora que é o ato de skatar da rua.

As pessoas que odeiam ver pessoas felizes são sempre a primeira linha de defesa de conservadorismos ultrapassados, que não reconhecem a legitimidade de existência de todos os que não se enquadram nos seus comportamentos de apatia civil. Apatia essa que os leva a ter mais amor pelos objetos que compõem o espaço (que pertence a todos), do que pelos seres humanos que o utilizam.

As pessoas que odeiam ver pessoas felizes são aquelas que se sentam em cima de um banco quando vêm skaters a utilizá-lo, são também aquelas que chamam a polícia ao ponto de exaustão, pressionando desnecessariamente as forças de autoridade, que por sua vez descarregam as suas frustrações nas pessoas que ousam a sorrir enquanto encontram novas utilidades para espaços que são por norma estáticos, de utilização pontual, ou ignorados.

Intitulo-as de ‘pessoas que odeiam ver pessoas felizes’, pois estas alimentam-se parasiticamente de uma fictícia sensação de autoridade. E quanto maiores os sorrisos de quem está a skatar, maior a desproporcionalidade de resposta — quanto mais visível for a felicidade de outrem, maior o impulso visceral que deforma as expressões daqueles que descarregam um mar de frustrações pessoais nos que se atrevem a quebrar os moldes daquilo que é a pior desfeita que se pode fazer às nossas cidades/vilas/aldeias: o desvinculo emocional das mesmas.

Lodo Zine #2

A cultura do skate fomenta um apreço gigante pela identidade e constituição dos espaços urbanos em que se encontra inserido. Não existem duas comunidades de skate iguais, no Algarve e além, simplesmente porque essas mesmas comunidades são crucialmente afetadas por fatores específicos, como a arquitetura, a situação socioeconómica local, o tempo, transportes públicos, e os equipamentos especializados ao seu dispor.

E independentemente das pessoas que odeiam ver pessoas felizes (sejam elas quem forem), o skate persiste, e insiste, em formar cidadãos e cidadãs que valorizam e acrescentam valor aos espaços públicos. A interação ativa com os meios em que os skaters se inserem é algo que devolve vida a espaços que foram condenados a um ‘existência inexistente’, em que os bancos de jardim só servem para ver a vida a passar, as escadas são um obstáculo no caminho do trabalho, e os muros meros delimitadores de áreas. O skate resgata esse mesmo banco da inércia, compõe arte nas escadas, e constrói novas narrativas criativas para os espaços contidos.

Lodo Zine #2

O skate é uma das melhores ferramentas de combate á desconexão dos espaços públicos (e suas respetivas comunidades), assim como para a regeneração e reeducação cultural das muitas cidades/vilas/aldeias que ainda se encontram assombradas pelas almas das pessoas que odeiam ver pessoas felizes.

Lodo Zine #2
Lodo Zine #2

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Viriato Villas-Boas

Observing & Commenting.● MSc Comparative Politics ■ London School of Economics and Political Science《》 B.A. Journalism & Media ■ Birkbeck, University of London