As Modas do Goucha: O Fascismo Está ‘In’
Todos sabemos que o Manuel Luís Goucha está sempre a par das modas que correm, o que significa que a extrema direita não poderia deixar de passar pelo reportório do ‘fashionista’ mais mediático de Portugal.
Infelizmente, ao contrário do apresentador, eu tenho uma tanta dificuldade em acompanhar com as modas que correm. Consequentemente, o meu comentário vem um pouco atrasado.
Mas, considerando que o próprio Mário Machado, convidado de honra no Você na TV, está (no mínimo) meio século atrás nas suas filosofias políticas, creio que posso ser desculpado por chegar apenas umas semanas tarde.
Esta aparição televisiva do ‘pequeno Salazar sem cabelo’ teve vários fatores preocupantes, muitos dos quais já foram dissecadas extensivamente por comentadores e figuras públicas de modo pertinente. Mas, existem ainda três pontos que creio serem meritórios de renovada atenção.
Ignorância Tão Grande Que, Aposto, Se Viu Do Espaço
Quando o Goucha perguntou a Bruno Caetano se um Salazar fazia falta em Portugal, o repórter responsável pela peça sobre Mário Machado respondeu afirmativamente. O mesmo justificou a sua posição com o facto de haver uma lacuna na sociedade Portuguesa no que toca ao vago conceito de ‘Autoridade’.
Tamanha ausência de substância na sua resposta reflete um problema maior por parte daqueles que enamoram o fantasma de Salazar: A fetichização de opressão social.
Romantizar regimes bárbaros e antiquados, que se pagaram em sangue, miséria e retardo social, é sintomático de uma ignorância não só acerca do passado, mas também do presente.
Aos três principais autores desta triste ideia televisiva (Goucha, Caetano e Machado) deixo um conselho: Leiam mais livros.
Mas o Mein Kampf não vale!
Tentar Não Custa, Ser Preguiçoso Custa Muito Menos
Tanto o Goucha como facilitador, o repórter Bruno Caetano como provocador, ou o Mário Machado como relator, simbolizam a preguiça de certas pessoas no que toca ao criar novas soluções para problemas (mais ou menos) antigos.
O problema do Goucha sendo a perda de audiências, devido maioritariamente à saída de Cristina Ferreira da TVI. A preguiça do mesmo foi o fácil recurso ao sensacionalismo, sem sequer pensar nas consequências de propagar ideologias e personagens extremamente tóxicos.
O problema do Bruno Caetano, como repórter ao serviço do Você na TV, baseou-se em resolver o problema do Goucha de forma simples e barata. A preguiça demonstrou-se na sua peça, que orbitou à volta de um sujeito irrelevante que recita ideias ultrapassadas, e que chocam por essa mesma razão.
O problema do Mário Machado centrou-se em encontrar uma plataforma ingénua o suficiente para amplificar a sua mensagem. A preguiça do mesmo manifestou-se na completa falta de preparação investida em resolver o seu próprio problema.
Em outras palavras, Machado conseguiu a plataforma, mas não fez o trabalho de casa. A falta de factos oficiais, manipulações imaginativas de eventos históricos, e o mau teatro do mais mediático membro da extrema-direita portuguesa, foram fatores que nos premiaram a todos com o espetáculo que foi Mário Machado a tornar-se numa caricatura de si próprio.
Para alguém que quer ser levado a sério como um agente político, o Mário Machado investiu muito tempo em pintar-se como vítima passiva de um sistema opressivo e injusto. Uma performance tão forçada que roçou o ridículo.
Assim como o lobo-mau vestido de avózinha invocou gargalhadas na infância de muitos, o Mário Machado que meses antes andava a ‘brincar aos gangues’ em ruas escuras à noite, prometendo cortar gargantas, caí agora no ridículo de articular a sua alegada sensibilidade e inofensividade face a um sistema que lhe fez mal.
Afinal qual é o verdadeiro Mário Machado? O Grande Lobo ou o Vulnerável Cordeirinho?
Entre nós… acho que nem ele sabe.
A Democracia Como Desculpa Para Tudo
Se houve algo profundamente perturbante nesta cadeia de eventos foi, sem dúvida, a maneira como o Manuel Luís Goucha utilizou a palavra ‘Democracia’ (vazia nos seus lábios) como um mero adereço para fazer televisão barata.
O apresentador, visivelmente exaltado, arremessou indiscriminadamente a palavra de modo a se ‘defender’ de todos aqueles que o acusaram de ter feito exatamente aquilo que ele fez: Dar uma plataforma à extrema-direita, num país que tem aversão à mesma.
De certa forma, tanto o Goucha como o Mário Machado partilham assim um atributo fundamental: a falta de compreensão, e respeito, por o que é Democracia. Um, porque apenas a entende como um medidor de audiências, o outro porque é um oportunista, desesperado em importar ‘banha da cobra’ para um país que já caiu neste esquema uma vez antes.
A democracia, como um todo, é um conceito cada vez mais incompreendido e embaratecido, mesmo por ser uma ferramenta perfeita para vender os sonhos de loucos. O facto de termos uma República ‘Democrática’ da Coreia (também conhecida como Coreia do Norte), não ajuda à corrosão continua do termo e é exemplo do que me refiro.
Apesar de que uma tentativa de definir o conceito de democracia terá de ficar para outra oportunidade, posso certamente avançar o que ela não é dentro do contexto deste artigo.
A democracia não é uma desculpa barata para dar tempo de antena a fascistas e extremistas. Se assim fosse, segundo a lógica do Goucha (lógica que o falha a ele próprio), o seu programa teria que entrevistar todos aqueles que tivessem uma ideia ou opinião, independentemente da incoerência e falta de seguidores da mesma.
Consequentemente, o Goucha teria assim que convidar e entrevistar Necrófagos, Homofóbicos, Agalmatofiliacos, Misóginos, Pessoas que Gostam de Ananás na Pizza, Pessoas Que Não Gostam de Ananás na Pizza, Aquele Senhor Daquela Terriola Que Acredita Ser O Novo Messias, e muitos outros… Existem pouco mais que 10 milhões de portugueses, e todos eles (segundo a lógica do Goucha) deveriam ser entrevistados no seu programa, porque, aparentemente, isso é o que significa viver em democracia.
A alucinação comunal que é a adoração do Santo Salazar é uma mistura de ignorância, estupidez, e doença mental (sem ofensa aos doentes mentais). E só porque todos os países têm gente demente, não significa que os tenhamos que encorajar em Portugal.
Relembro ao Goucha, (e a todos os que creem a extrema direita como sendo uma alternativa politica viável só por a vemos a ganhar expressão popular no Brasil, EUA, Hungria, Inglaterra, etc.), uma pergunta que provavelmente as nossas mães nos puseram pelo menos uma vez: ‘E se os teus amigos saltassem de uma ponte, também saltavas?’
Acrescento que –assim como escrevi mais extensivamente noutro artigo em relação ao convite da Marine Le Pen para o Web Summit– não devemos confundir liberdade de expressão com o direito à exposição. Posto de outra forma, todos temos o direito de nos expressar, mas esse direito não vem com um holofote atrelado, e acaba quando se torna numa agressão ao próximo ou à sociedade onde vivemos.
Não tenho, nem nunca tive, qualquer problema com as modas do Goucha, e até admiro ocasionalmente algumas das suas escolhas, e comendo a sua coragem na utilização de certos padrões e combinações. E isto tudo apesar do facto de eu não saber absolutamente nada de moda!
Mas, no que toca à propagação do fascismo e justificação do mesmo às custas do conceito de Democracia, o Goucha deveria de saber que essa moda é muito século passado, e foi tão horrível que nem quem é fan do conceito ‘Retro’ lhe quererá pegar.